Caros irmãos em Cristo
A Quaresma é um tempo favorável porque,
por um lado, nos encaminha para o Mistério Central da Fé e da Vida, apelando à experiência de maior proximidade e intimidade com o Senhor Jesus, mas também nos é propício porque, enquanto tempo, condensa as caracterizações mais marcantes da vida (englobando sofrimento, traição, morte, vida, ressurreição, esperança, alegria…). Este primeiro domingo quaresmal quer apresentar-nos duas das principais referências para a caminhada, que nos hão de nutrir ao longo de toda a nossa vida. São a PALAVRA DE DEUS e as ATITUDES.
A primeira é a PALAVRA DE DEUS que hoje vem apresentada com três faces: a) a Palavra de Deus como sede de sentido e significado da vida (Dt 26, 4-10); b) como fonte da fé (Rom 10, 8-13); c) enquanto expressão da verdade (Lc 4, 1-13).
Enquanto sede e princípio de sentido da vida, a Palavra ilumina a história e explica o presente. A narração dos acontecimentos salvíficos faz com que essa história se torne Palavra e, como tal, seja capaz de iluminar o gesto atual das oferendas das primícias ao Senhor do universo (cf. Dt 26, 4-10). Revela-se a pujante capacidade da Palavra divina que, ao conferir significado aos acontecimentos da vida, cria dessa forma uma história atual de salvação.
Na Segunda Leitura, São Paulo afirma que a fonte da fé é o anúncio da Palavra. De facto, o Apóstolo dos gentios pregava a Palavra e, com este anúncio, gerava a fé nas comunidades que evangelizava. Como a semente lançada à terra produz fruto, também o anúncio e o acolhimento da Palavra produzem frutos de conversão e fé.
Atendendo sobretudo ao texto do Evangelho, a Palavra de Deus exprime sempre a verdade. Jesus cita a Palavra da Escritura na senda da sua identidade de Verbo Eterno, mas também no horizonte da sua missão que é fazer a vontade do Pai (a famosa menção «Está escrito…», cf. Lc 4, 4.8, e «mandado…», cf. Lc 4, 12). Curioso é que o tentador, satanás, o mentiroso, também cita a Sagrada Escritura. Esta é, sem dúvida, uma das raras ocasiões em que o próprio mentiroso diz a verdade ao proferir as seguintes palavras: «Se és Filho de Deus, atira-Te daqui abaixo, porque está escrito: ‘Ele dará ordens aos seus Anjos a teu respeito, para que Te guardem’; e ainda: ‘Na palma das mãos te levarão, para que não tropeces em alguma pedra’» (Lc 4, 10-11). Contudo, é uma verdade que não lhe pertence, que é pertença da Palavra da Escritura, logo, da Palavra de Deus, a qual demonstra assim ser expressão da verdade, mesmo quando vem pronunciada pelos lábios impuros do maligno. Portanto, a luz da verdade resplandece sempre, em toda e qualquer ocasião, da Palavra de Deus. Não tenhamos medo, nem sejamos indecisos em frequentar e conviver com a Palavra de Deus. Ela dá-nos sempre a verdade, essa importante graça que, sobretudo nestes tempos onde prolifera a chamada cultura da pós-verdade, se afigura como a autêntica lâmpada capaz de iluminar os caminhos da humanidade.
A segunda referência são as ATITUDES reveladas e expressas por Jesus nas famosas tentações do deserto.
À tentação de colocar ao serviço de si mesmo e em seu próprio proveito os Seus poderes messiânicos, Jesus responderá com a atitude do serviço aos outros e de doação (não de autossalvação) para que outros tenham vida (Lc 4, 3-4).
À tentação do poder, Jesus responde com a atitude da obediência ao Pai, a quem unicamente é devida adoração (Lc 4, 7-8).
Por fim, à tentação de contornar a própria normalidade da vida, Jesus responde com a única autoridade que reconhece: a de Deus (Lc 4, 9-12).
Ponhamos, também nós, Deus no centro da nossa frágil existência, sempre sujeita a tentações. Encontremos n’Ele a unidade absoluta do nosso ser, tantas vezes disperso pelas solicitações da vida, pelas tensões interiores e exteriores ou pela vontade de poder que nos empurra para uma devastadora autodivinização.