“Acumulai tesouros no Céu… Porque onde estiver o teu tesouro, aí está o teu coração”.

Gostaria que estas palavras do Senhor Jesus, agora escutadas no Evangelho, funcionassem como pano de fundo desta nossa Peregrinação do Ordinariato Castrense para Portugal, habitualmente designada como Peregrinação Militar Nacional a Fátima. Aquela frase ilumina os dois aspetos que desejaria refletir convosco: peregrinação e militar ou da condição dos homens e das mulheres que servem a defesa e a segurança nacionais.

O que é a peregrinação? É o quebrar com as rotinas do quotidiano para partir e passar os umbrais do sagrado. É a movimentação, em princípio, realizada em grupo, que nos alivia daquele contínuo «olhar para baixo», para o trabalho do dia-a-dia, e nos faz olhar para cima, para o horizonte das realidades perenes, para as que subsistem no meio da fluidez da vida. É este “Permanente”, eterno ou Deus que buscamos. É o contacto com Ele. Por isso falei em «atravessar o umbral do sagrado».

Mas porquê fazê-lo pública e visivelmente? Porque não nos limitamos ao que diz o Evangelho de, quando rezamos, entrarmos no quarto, fecharmos a porta e falarmos em segredo ao Pai do Céu, já que Ele vê mesmo no escuro (cf Mt 6, 6)? Sem desprezar essa dimensão, que deveria ser de todos os dias, há também necessidade de, de quando em vez, os que se reconhecem na mesma condição de cristãos ou de Povo de Deus, nos animarmos mutuamente neste esforço de travessia até ao sagrado e até nós mesmos. Sim: é que peregrinar não é só ir ao encontro do divino, neste caso, do único Salvador da Humanidade, de Jesus Cristo que nos abriu as portas da salvação mediante o Seu mistério pascal da morte e ressurreição. Peregrinar é também dirigirmo-nos ao encontro do nosso próprio interior, na certeza de que, habitualmente, fugimos dele. E “descentramo-nos”. Centramo-nos onde não devíamos: nas nossas preocupações, por mais legítimas que sejam, nos trabalhos, nos afazeres e inquietações. Mas centramo-nos fora do único eixo verdadeiro da nossa vida: aquele que é constituído por uma linha com a dupla polaridade de Deus e da nossa própria interioridade. Ora, se notamos que estamos a “fugir dos eixos”, se nos centramos no que, realmente, não pode constituir o eixo da nossa vida, temos de realizar o que costumamos fazer com os pneus do nosso automóvel: ir à oficina para os calibrar e alinhar.

Neste momento, é esta a tarefa a que procedemos. A oficina é este santuário, naquilo que ele proporciona de contacto com o sagrado e de possibilidade de calma e de silêncio, condições sem as quais não encontramos o outro, particularmente o grande Outro, Deus, nem nos encontramos a nós mesmos. A «técnica» da oficina, é a figura da Mãe de Jesus e Mãe da Igreja, aqui venerada como Nossa Senhora de Fátima. Com ela vêm os Pastorinhos, os Beatos Francisco e Jacinta Marto e a Serva de Deus, Irmã Lúcia de Jesus. Como há quase cem anos atrás, neste lugar da Cova da Iria, a Mãe alerta-nos que há rumos de vida que não levam a boas metas, que nem todos os caminhos servem e, fundamentalmente, que só no alinhamento da nossa direção pela direção de Deus encontramos a realização pessoal e o cumprimento da nossa vocação transcendente. Confiemos nela, pois ela é técnica segura: sabe fazer este trabalho como ninguém mais.

E a peregrinação não termina aqui. Depois, há o movimento de regresso. Não ao passado enquanto passado, mas o regresso à vida. Com a convicção de que esta pode ser iluminada com uma luz diferente, entusiasmada por um sentido mais fraternal, animada de uma espiritualidade que nos eleva e com o olhar fixo num grande horizonte de significação. Este regresso à vida é tarefa e é missão. Porque não chega que tal aconteça só na nossa existência: temos de ajudar os outros a viverem neste enquadramento. É a dimensão de compromisso, sem o qual, rigorosamente, a peregrinação não acontece na sua totalidade. Repararam na frase-mote escrita por baixo do altar do recinto deste santuário? Diz assim: “Envolvidos no amor de Deus pelo mundo”. Esta frase é também para nós e para a nossa peregrinação: com o amor de Deus em nós, saberemos comunica-l’O nos lugares onde se tece a nossa vida, quer por palavras, quer por uma específica elevação do comportamento. E seremos evangelizadores nos nossos meios. Tarefa sempre urgente.

Uma palavra ainda sobre o outro tópico que enunciei ao princípio: a condição de agentes de defesa e de segurança.

Este santuário é uma verdadeira «casa da paz». Aqui, em 1917, por várias vezes se prometeu que a guerra terminaria e que a paz se havia de estabelecer. Hoje é visitado por homens e mulheres que, habitualmente, empunham armas. Não haverá aqui uma contradição?

Não, não há. Pelo contrário. É que os homens e as mulheres que servem a defesa e a segurança nacionais usam armas para que outras armas não imponham a sua lei do medo, da violência e da selvajaria, para que os cidadãos possam organizar a sua vida à base desse valor mais sobrenatural que é o da liberdade, para que os direitos humanos sejam promovidos e a ninguém sejam retirados. Os homens e as mulheres que servem a defesa e a segurança nacionais usam armas, mas não têm as mãos manchadas de sangue inocente: usam-nas precisamente para que o sangue não se derrame e as mãos dos outros, em vez de apertarem um gatilho, se possam abrir em abraços e afagos. E num mundo globalizado, fazem-no interna e externamente, nas várias intervenções humanitárias que designamos por “missões de paz” no exterior.

Daqui, e em síntese, queria deixar três apontamentos ou três pedidos, quase telegráficos:

1º – senti são orgulho na vossa condição militar ou de agentes de forças de segurança. As pessoas podem não se dar conta disso, mas vós existis para que o injusto não se possa rir das suas injustiças e a vida dos outros não se torne um inferno, mas se possa realizar em paz e liberdade, os maiores bens sociais;

2º – que a sociedade aprenda a apreciar quem a defende e acarinhe as suas forças armadas e de segurança. O que, obviamente, traz custos. Então, passada a fase mais difícil da necessária reestruturação financeira do Estado, que a Tutela consiga obter meios que assegurem a dignidade espectável e desejável. Refiro-me aos aspetos económicos, mas também aos âmbitos da saúde, do reagrupamento familiar, das condições de trabalho, das justas promoções e outros.

3º – procedei como os santos que trabalharam nestes sectores e na vossa condição. Por exemplo, São Nuno de Santa Maria, ou São Nuno Álvares Pereira, o grande “herói e santo” nacional. E ele não é o único: há muitos outros de quem, se as circunstâncias o permitirem, eu gostaria de vos ir falando, para que sejam não só nossos intercessores no Céu, mas também nossos modelos na terra. Se eles constituem exemplo de cristãos, nós também o podemos ser. Podemos e devemos.

Confio-vos a Deus por intercessão de Nossa Senhora e dos Pastorinhos. Eles sejam conforto nos vossos sofrimentos, remédio nas vossas dores, guia da vossa atividade, companhia na vossa existência e certeza de obtenção da graça de Deus para a vossa vida e felicidade.

Manuel Linda